Por Dimas Soares Alvarenga
Principiando tudo do começo, a verdade é que não existe João. O que tem são Joões.
Assim, assim dizendo, parece observação desimportante, mas não é não.
João, esse de que vos falo, é vários, cheio de peripécias diferentes, que muda e desmuda conforme o tempo.
Ainda que lhe pareça apenas um, João é além desse que a gente vê. O João-Pessoa, o personagem que anda pelas pedras das ruas e o pó das estradas, subindo e descendo serra catando fatos, fotos, colecionando conversas, personagens, histórias e estórias, como quem costura a colcha de retalhos miúdos do povo de um lugar. João recolhendo imagens das gentes e das paisagens, guardadas, preciosas, nas suas fotografias.
Outro João leva na algibeira presentinhos que ele vai distribuindo por onde passa. Prosas, palpites, pitos, papéis, receitas de pastéis, antiguidades, novidades.
Há o João que trabalha, já que não se pode dar nome de trabalho, assim legalmente falando, a toda essa consultoria grátis que ele espalha por aí a fazendeiros, prefeitos, doceiras, cozinheiras, cantadores, fotógrafos, cineastas, violeiros, cantadores, universitários, bêbados, vagabundos… uma gente-sem-fim de um Brasil que não acaba mais.
Tem o João que leva a pasta com muitos papéis debaixo do braço. Carrega o baú de coisas para mostrar, falar, vender, impressionar, puxar assunto, na roça, no bar, na praça, no Pastel do Manezinho, domingo de manhã. Conversas novidadeiras de coisas antigas. Quem inventou essa receita? Leva coentro? Afinal, é fogado, folgado ou afogado? Caipira original nem comia carne de gado. Por que a música caipira é triste. Porque o batuque dos negros é alegre. Essa pinga não vale nada. Por falar nisso, político não respeita a arte do povo. Esse é o João Manancial. Típico museu de cultura popular ambulante a céu aberto. Pergunte alguma coisa da nossa terra, João sabe. E se não sabe, ele conta outra história parecida, paralela, desconversa, segue adiante com outra fábula. Bom proseador como os antigos, mas tudo entrecortado por novidades internéticas, cibernéticas, semióticas, semânticas, futurísticas, essas coisas mais complicadas que ele aprendeu na capital. Esse é o João Prosa. Também conhecido pela alcunha João Evangelista, andarilho, profeta das coisas da Terra e da gente.
João Pardal. Inventa coisas toda hora. Inventa fotografias impressionantes, escreve, inventa frases, slogans, inventa Pamonhada, Paçocada, cachaçada, galinhada. João que faz livros, faz filme, faz festa popular com música, dança, quitutes e cachaça, mistura o novo e o velho, coisa profanas, coisas sacras. João Faz-Tudo, se não faz, tem uma explicação. Ou não presta ou não vale a pena. Senão ele faria. O João Faria.
Tá solto no mundo. Mundo velho sem porteira. Serviço pra todo lado. Mundo que nunca fica pronto. Sempre se fazendo, refazendo. Mundo pra sempre inacabado. Lá vai João pra todo lado. Lá vem João. Toca viola, traz a pinga e o pastel, que lá vem João. O João Plural. Também conhecido como João Rural.
Dimas Soares Alvarenga, publicitário, para o livro Retrato de um Povo de um Lugar, ATO II, João Rural – 40 anos de imagem, 1970-2010, de abril de 2010.